quinta-feira, 29 de julho de 2010

HORÁCIO QUIROGA – DECÁLOGO DO PERFEITO CONTISTA

I – Crê num mestre – Poe, Maupassant, Kipling, Tchekhov – como na própria divindade.

II – Crê que sua própria arte é um cume inacessível. Não sonha dominá-la. Quando puder fazê-lo, conseguirás sem tu mesmo o saibas.

III – Resiste quanto possível à imitação, mas imita se o impulso for muito forte. Mais do que qualquer coisa, o desenvolvimento da personalidade exige uma longa paciência.

IV – Nutre uma fé cega não na ta capacidade para o triunfo, mas no ardor com que o desejas. Ama tua arte como amas tua amada, dando-lhe todo o coração.

V – Não começa a escrever sem saber, desde a primeira palavra, onde vais. Num conto bem-feito, as três primeiras linhas têm quase a mesma importância das três últimas.

VI – Se queres expressar com exatidão esta circunstância – “Desde o rio soprava um vento frio” –, não há na língua dos homens mais palavras do que estas para expressá-la. Uma vez senhor de tuas palavras, não te preocupa em avaliar se são consoantes ou dissonantes.

VII – Não adjetivas sem necessidade, pois serão inúteis as rendas coloridas que venhas a pendurar num substantivo débil. Se dizes o que é preciso, o substantivo sozinho, terá uma cor incomparável. Mas é preciso achá-lo.

VIII – Toma teus personagens pela mão e leva-os firmemente até o final, sem atenuar senão para o caminho que traçaste. Não te distraias vendo o que eles não podem ver ou o que não lhes importa. Não abusa do leitor. Um conto é uma novela depurada de excessos. Considera isso uma verdade absoluta, ainda que não o seja.

IX – Não escreve sob o império da emoção. Deixa-a morrer, depois a revive. Se és capaz de revivê-la tal como a viveste, chegaste na arte, à metade do caminho.

X – Ao escrever, não pensa em teus amigos nem na impressão que tua história causará. Conta como se teu relato não tivesse senão para o pequeno mundo de teus personagens e como se tu fosses um deles, pois somente assim obtém-se a vida num conto.

quinta-feira, 22 de julho de 2010

As histórias daqueles que contam a História do Brasil

“A História do Brasil é uma peça monumental.
Os atores somos todos nós. Escolha o seu papel.”
Eduardo Bueno

Nessa peça que é a história atualmente desempenho o papel de um professor. Minha vida, para variar está uma loucura, como sempre. Virei professor do estado do RS, pela 28º CRE. Estou lecionando em seis escolas diferentes do município de Alvorada, não só Filosofia, minha especialidade, mas as mais variadas disciplinas: História, Geografia, Sociologia e Artes. Como não sou de me mixar para desafios estou encarando a bronca e fazendo o meu melhor para dar conta do recado. Tenho me preparado estudando muito e venho pesquisando sobre todos os assuntos incansavelmente. O que mais tem me dado prazer ao pesquisar é sobre a História do Brasil, especialmente o período imperial que me interessa muito para os meus dois maiores projetos literários em desenvolvimento. Um deles é um romance histórico narrando a saga de uma família moradora de uma cidade fictícia do interior. O outro é uma história em quadrinhos com personagens clássicos da literatura.
À medida que resultados interessantes forem surgindo dessas pesquisas publicarei aqui no meu blog. Não divulguei o site para meus alunos ainda justamente por não postar material com regularidade. Pretendo aproveitar as “longas férias” de uma semana para dormir o mínimo possível e colocar algum material de qualidade no ar. Hoje entre outras coisas estou pesquisando sobre a Guerra do Paraguai e os mitos (não confundir com mitologia) da História do Brasil.
Tenho procurado livros alternativos que despertem o interesse dos estudantes principalmente em autores que fogem da historiografia tradicional. Enquanto a historiografia tradicional ocupa-se em difundir relatos e registros históricos documentados, baseados em grandes nomes e em importantes datas a serem decoradas, sem muita análise ou reflexão sobre os fatos, um grupo de jornalistas e novos historiadores e vem tentando mudar esse cenário rígido e árido.
Esta semana concluirei a leitura do Guia Politicamente Incorreto da História do Brasil do jornalista Leandro Narloch, um livro fascinante, tenho devorado as páginas desde que comecei a ler, apresar de estar gostando da abordagem tenho certas dúvidas sobre a veracidade das informações fornecidas ali, elas vão contra tudo o que normalmente aprendemos, e agora no meu caso, ensinamos sobre a História do Brasil, mas é fundamental que novos pontos de vista surjam e já estava na hora das visões, seja da direita militar ufanista, seja das interpretações radicais da esquerda marxista, receberem um grande ponto de interrogação. Infelizmente no momento não tenho como checar as fontes, mas novas portas foram abertas. Não ficarei com um monte de dúvidas sozinho passarei-as adiante aos alunos e espero que boas discussões surjam. Se no primeiro, sobre a relação dos indígenas com os portugueses, a afirmação de que os próprios índios e não os colonizadores foram os maiores responsáveis pela morte de índigenas, principalmente em guerras internas, não me causou espanto. O segundo capítulo dizendo que os negros não eram unidos e possuíam os seus próprios escravos tampouco teve este efeito. O capítulo sobre a Guerra do Paraguai, completamente diferente dos livros didáticos oficiais, e o que descreve Aleijadinho como um personagem literário são os mais inquietantes. O capítulo sobre os nossos grandes escritores e as bobagens que eles falaram é o mais decepcionante. Resume-se a contar algumas fofocas, Machado de Assis trabalhou como sensor de teatro, José de Alencar era contra a abolição, Jorge Amado admirava o comunismo mundo a fora, especialmente o do camarada Stalin, Graciliano Ramos escreveu que o futebol não seria um esporte popular no Brasil e Gilberto Freyre admirava a Ku Klux Klan na época da faculdade, tudo muito superficial e sem grande relevância. A imagem que chegou até nós de Aleijadinho pode até ser falsa, mas que Santos Dumont não inventou o avião e sim os tal irmãos Wright, essa eu não engulo. Já pesquisei muito este assunto no passado e não existem provas documentais do vôo dos norteamericanos, haviam poucas testemunhas na época, e todas elas são questionáveis, quem dúvidar que faça sua própria investigação. Para quem quiser dar uma olhada no resumo da obra saiu uma matéria na Super Interessante de Junho/2010, do mesmo jornalista autor do livro, Leandro Narloch, que toma como base esse trabalho para falar sobre 19 mitos do Brasil.
Outro autor que tenho lido para utilizar em minhas aulas é Eduardo Bueno, para quem não conhece, ele é um jornalista gaúcho que tem se dedicado a escrever livros sobre a História do Brasil. Ficou famoso nacionalmente ao traduzir On the Road de Jack Kerouac (que li recentemente, qualquer hora publico minhas impressões). Tenho usado bastante o livro dele História do Brasil (1999) que saiu em fascículos pela Zero Hora. Aproveitando o contexto de preparação das comemorações pelos 500 anos do descobrimento do Brasil, ele fechou contrato com a Editora Objetiva para a redação de cinco livros sobre História do Brasil voltada para leigos, a Coleção Terra Brasilis. Os livros da série publicados pelo autor até agora são:
- A Viagem do Descobrimento (1998);
- Náufragos, Traficantes e Degredados (1998);
- Capitães do Brasil (1999);
- A Coroa, a cruz e a espada (2006);
- A França Antártica (a ser lançado) .
Gostaria muito de ler esses títulos, mas já estou sobrecarregado esse ano, acho que só ano que vem quando ensinar sobre o descobrimento terei tempo para lê-los. Por enquanto fico só com a resenha dos dois primeiros feita por Virgínia de Jessus Silva que reproduzo parcialmente abaixo:

"A primeira narrativa, A Viagem do Descobrimento - A Verdadeira História da Expedição de Cabral, trata, em forma de aventura, da busca de um novo mundo pelos portugueses. Podem ser vislumbrados detalhes sobre a viagem; o cotidiano dos homens que acompanhavam Cabral (tais como aventureiros, soldados, sacerdotes e degredados); além de curiosidades sobre quanto recebiam, como se alimentavam e os propósitos que os moviam, assim como os dos homens que, longe de estarem sofrendo as vicissitudes da viagem, eram os responsáveis pelos planos que acarretaram na expansão marítima portuguesa.
A segunda, Náufragos, Traficantes e Degredados - As Primeiras Expedições ao Brasil, aborda detalhadamente o período de nossa história compreendido entre 1500 e 1531. Período esse escasso de registros e estudos, no qual é retratada a saga vivida pelos primeiros europeus que aqui chegaram; de que maneira eles terminaram por constituir-se nos primeiros brasileiros, já que segundo o autor, sua atuação direta nos acontecimentos, como por exemplo, no comércio indiscriminado de pau-brasil ou na exploração do Prata (dentre tantos outros) vai colaborar na definição dos caminhos do iminente país.
Nessas obras, portanto, o leitor se depara com uma narrativa povoada dos mais variados detalhes acerca de nossa história colonial. A linguagem que o autor utiliza termina por suscitar imagens e o leitor consegue assim, sentir e vivenciar os acontecimentos narrados. A linguagem é atrativa, bem-humorada, detalhada, prendendo o leitor e o instigando a conhecer e entender o contexto que movia os homens da época, seus desejos, suas relações, as forças políticas e econômicas que atuaram na expansão marítima e conseqüentemente em nossa história."

Tenho atulamente no trabalho de Eduardo Bueno uma das minhas referências, pois ele assume o papel de contador de histórias ao fugir do modo tradicional dos livros didáticos e do tom acadêmico. Ele se preocupa mais em informar as curiosidades e peculiaridades de nossa história dando a ela atualidade e vivacidade. Ele liberta a história dos bancos de escola, através de uma linguagem narrativa ágil e dinâmica. Outro mérito de Eduardo Bueno é o de destituir a história enquanto monumento, estratégia que nos remete ao pensamento de Friedrich Nietzsche, em suas Considerações Extemporâneas, ao fazer uma breve explanação sobre a história monumental, definindo-a como a história dos mitos, dos grandes homens, dos fatos e heróis oficiais. Bueno ao recontar a história resgata personagens que sempre foram considerados secundários ou até apagados pela historiografia tradicional.
As críticas que Eduardo Bueno normalmente recebe são que ele é superficial e adota uma noção primária factual de processo histórico e não vai direto as fontes reescrevendo o passado com interepretações muito pessoais. Muito do mérito do escritor é o de fazer emergir no leitor o interesse em entender o passado da nação e seus personagens principais e secundários que forma a nossa identidade cultural. Eduardo Bueno consegue cumprir esse papel dando início a um processo de analise e critica contemporânea sobre constituição e invenção de um “novo” passado para o Brasil. A história que iremos contar daqui para frente cabe a nós, os novos leitores do passado.


REFERÊNCIAS

BUENO, Eduardo. História do Brasil. Porto Alegre: Zero Hora, 1999.

NARLOCH, Leandro. Guia Politicamente incorrero da História do Brasil. São Paulo: Leyla, 2009.

SILVA, Virgínia de Jesus. O lance de Eduardo Bueno: entre o discurso historiográfico e o romance de aventura. 2001. Disponível em: . Acesso em: 22/07/2010.