sábado, 17 de maio de 2008

Escamas

Depois de vestir uma roupa simples e seu melhor par de sapatos, ele saiu de seu apartamento. Entrou no elevador e logo deixou para trás o prédio. Caminhou em direção ao Mercado Público da cidade, com o olhar fixo em seus pés. Tranquilamente escolheu duas tainhas de pupilas foscas e guelras escuras, ignorando os apelos insistentes dos peixeiros que clamavam por atenção. Pediu que as embrulhassem sem limpá-las. Com passos precisos, deslizou entre a multidão e atravessou o largo em direção ao Chalé da Praça XV. Passou pelo camelódromo e entrou em um dos muitos prédios da Otávio Rocha. Subiu três andares até o ateliê da costureira que fez seus ternos nos últimos vinte anos. Cumprimeintou-a com seu jeito sereno. Vestiu calado o terno perfeito, ignorando os comentários da velha senhora, mirrou-se demonaradamente no espelho, enquanto abotoava dois dos três botões do paletó. Satisfeito com o que viu abandonou suas antigas roupas e pagou o serviço com uma gorgeta generosa. Ganhando a rua caminhou até uma banca de flores com seu embrulho próximo ao corpo. Escolheu alguns cravos brancos, ocolhedoramente levou-os no braço esquerdo como uma delicadeza maternal. No caminho de volta parou para engraxar os sapatos e falou sobre a instabilidade do clima com o engraxate. Alegando não ter troco, foi sovina e pagou apenas dois terços do que o homem pedia. Antes de chegar parou em uma loja de artigos esotéricos para comprar velas brancas. Ao lado do seu prédio entrou na barbearia. Aguardou tranquilo sua vez, enqaunto foleava uma revista. Cortou os cabelos, fez a barba e foi embora. Ao entrar no prédio, o porteiro tentando ser simpático comentou sua elegância e perguntou onde seria a festa. Calmo como sempre ele sorriu de forma displicente e entrou no elevador. Abriu a porta de seu apartamento devagar. Colocou as sacolas em cima da mesa, desembrulhou os peixes e colocou-os atrás da porta depois de fecha-la. Acendeu as velas no chão ao redor do seu leito, tomou um cálice de morte, deitou-se na cama com as flores nas mãos e abotoou o último botão de seu paletó.

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